O que nos faz acreditar que estamos no caminho certo, apesar das poucas publicações sobre permanência?

COLETÂNEA de MINITEXTOS sobre o NUCLEAPE COMO GRUPO OPERATIVO DE PESQUISA
Glossário conceitual/metodológico
Foco no plano estratégico para permanência e êxito dos estudantes/IFF – Portaria IFF Nº 912 03/09/2015

III   O que nos faz acreditar que estamos no caminho certo, apesar das poucas publicações sobre permanência?(pressupostos, hipótese)


5 - QUARENTA E SETE ANOS DE PESQUISAS DE VINCENT TINTO
 - da ênfase na evasão (1970 a 1999), à ênfase na permanência (2000-2017)

TINTO, V. Dropout in Higher Education: A Review of Recent Research. A Report prepared for the Office of Planning, Budgeting and Evaluation, U.S. Office of Education, Washington, D.C., 1973. [tradução livre de Edda Peixoto Barreto em 14/06/2017] - trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.
TINTO, V. Enhancing student success: taking the classroom success seriously. The Internacional Journal of the First Year in Higher Education, Vol. 3, Issue 2, pp. 1-8, mar.2012. [tradução livre de Mariana Monteiro em 27/09/2017] - trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.


 A produção de Vincent Tinto tornou-se um projeto do Nucleape desde junho de 2016. Em novembro de 2017, esse grupo de pesquisa concluiu a tradução, seguida de apresentação e discussão, de 20 artigos de sua autoria, com ou sem colaboradores. Em 2018-2, a ação principal do Nucleape, será a continuidade desse projeto, com atividades de sistematização das noções, práticas, avaliações e hipóteses – com foco na realidade do IFF – construídas ao longo dos quase 50 anos de pesquisa. Interessa-nos destacar, principalmente: a) o processo de descobertas que justificam o abandono progressivo da ênfase na evasão para passar a enfatizar a permanência e êxito de todos os estudantes de qualquer instituição educacional e; b) a centralidade da sala de aula como lugar privilegiado, numa instituição educacional, para avançar nas reflexões e ações com foco na permanência escolar.

 Vincent Tinto, atualmente com 74 anos, aposentado de seu trabalho acadêmico na Syracuse University/New York/USA. Na graduação (B.S.) formou-se em Física/Filosofia pela Fordham University em 1963. Concluiu, em 1965, o mestrado (M.S.) no Rensselear Polytechnic Institute, em Física/Matemática. Seu doutorado (Ph.D.), concluído em 1971, foi em Educação/Sociologia foi feito na Universidade de Chicago.

 Começou seu interesse pela Sociologia, entre 1965 e 1967, como professor visitante em uma universidade na Turquia. Lá conheceu a teoria de Émily Durkheim, que o fez se dedicar aos estudos das sociedades. Podemos ver essa influência no seu texto de 1973 “Dropout in Higher Education: A Review of Recent Research. A Report prepared for the Office of Planning, Budgeting and Evaluation, U.S. Office of Education, Washington, D.C..”

 De acordo com Durkheim (1961), romper os laços com um sistema social decorre, em grande parte, da falta de integração na vida comum dessa sociedade. Dada a noção de que as sociedades são compostas tanto de elementos de estrutura como de valores, Durkheim argumentou que a probabilidade de retirada completa da sociedade (suicídio) aumenta quando faltam dois tipos de integração: integração moral insuficiente (valor) e insuficiente afiliação coletiva através de interações pessoa-pessoa (estrutural). Embora esses modos de integração sejam conceitualmente distintos, eles estão necessariamente relacionados nesse valor ou a integração normativa pode levar a um maior apoio à amizade e vice-versa.

 Ao visualizar a faculdade como um sistema social com seus próprios padrões de valores e estrutura social, pode-se tratar a retirada desse sistema social de forma análoga à da retirada do suicídio da sociedade em geral. E, embora o abandono seja claramente uma forma menos extrema de retirada do que o suicídio pode-se esperar que as condições sociais que afetem a desistência no sistema social da faculdade, em muitos aspectos, sejam paralelas às que resultam em "abandono" da sociedade em geral; ou seja, a falta de uma interação consistente e gratificante com outros na faculdade (por exemplo, apoio de amizade) e a realização de padrões de valores que são diferentes dos da coletividade social geral da faculdade. Presumivelmente, a falta de integração no sistema social do colégio resultará em um baixo comprometimento com a instituição e aumentará a probabilidade de os indivíduos abandonarem. (TINTO, 1973, p. 36 e 37).

 Em relação à questão da centralidade da sala de aula, há indicação que os resultados de suas pesquisas, extrapolam a realidade dos EUA, conforme apresentação do artigo pelo editor do periódico:

 Visão Geral - O professor Vincent Tinto abre esta edição do Jornal Internacional do primeiro ano em Educação Superior, destacando a importância de prestar atenção às experiências dos alunos na sala de aula. Estabelecendo em mente as experiências dos estudantes em sala de aula no sistema da faculdade dos Estados Unidos, Tinto chama a atenção para o que ele denomina de "atributos de salas de aula efetivas / eficientes”. Os atributos da sala de aula que ele descreve, como: expectativas claras, suporte oportuno, comentários sobre avaliação, envolvimento pedagógico e aprimoramento das habilidades de ensino, embora desenhados / extraídos da experiência dos Estados Unidos, são universais e, como tais, são transferíveis através das fronteiras nacionais e aplicáveis aos educadores no ensino superior, líderes e políticas globais. Você pode avaliar isso universalmente relacionando os critérios de Tinto ao seu ambiente de ensino (2012, p. 1).

 Vale acrescentar que, em setembro de 2016, Rhena Schuler, do IFF Guarus, atual mestranda na UENF, entrevistou Vincent Tinto em Boston, e Elane Kreile, do IFF Itaperuna, atual doutoranda na UENF, fará três visitas técnicas por 15 dias em universidades de NY, que trabalham com comunidades de aprendizagem.  

 

5.1 -  INFRUTÍFERAS PESQUISAS SOBRE A EVASÃO ESCOLAR

TINTO, Vincent Research and practice of student retention: what next? Journal of College Student Retention: Research, Theory & Practice, v. 8, n. 1, p. 1-19, 2006. [tradução livre Cristiane Barcelos em 25/06/2016] - trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.


 Há 40 anos se insiste em pesquisas sobre causas e consequências sobre a evasão sem resultados, por quê? Para Tinto, “ [...] uma coisa é entender por que os alunos saem; outra coisa é saber o que as instituições podem fazer para ajudar os alunos a ficarem e obterem sucesso”.

 Saída não é a imagem espelhada de ficar. Saber por que os alunos saem não nos  diz, pelo menos não diretamente, porque os estudantes persistem. Saber por que o aluno sai não diz ás instituições pelo menos não diretamente, o que elas podem fazer para ajudar os alunos a ficar e ter sucesso.

 No mundo da ação, o que importa não são as nossas teorias em si, mas como essas teorias ajudam as instituições a implementarem questões práticas de persistência.

 Infelizmente, as teorias atuais de abandono estudantil não são bem adaptados a essa tarefa. Isso explica, por exemplo, o fato de que as teorias atuais de abandono/evasão estudantil normalmente utilizam abstrações e variáveis que são, por um lado, muitas vezes difíceis de operacionalizar e traduzir em formas de prática institucional e, por outro, o focam em assuntos que não estão diretamente sob a influência imediata das instituições. Tome por exemplo o conceito de integração acadêmica e social. Embora possa ser útil para os teóricos saber que a integração acadêmico e social tem sua relevância, a visão teórica não diz aos seus praticantes, pelo menos não diretamente, o que eles deveriam fazer para conseguir a integração acadêmica e / ou social em seu ambiente particular.

 Embora o trabalho inicial da obra de Pace (1980), Astin (1984, 1993), e mais recentemente Kuh (1999, 2003) tenha feito muito para operacionalizar o conceito de integração acadêmica e social de uma forma que possa ser razoavelmente quantificada e, por sua vez, utilizada para avaliação institucional, ele ainda não diz às instituições como elas podem reforçar a integração ou o que agora é conhecido como engajamento.

 De um modo semelhante, embora seja esclarecedor saber, por exemplo, que as experiências escolares do Ensino Médio do estudante e seu contexto familiar influenciem em sua persistência na faculdade, tal conhecimento é pouco útil aos funcionários institucionais, porque muitas vezes, eles pouco controle imediato sobre experiências anteriores de estudante ou sobre suas vidas privadas. Isso não quer dizer que tal informação não pode ser útil, pelo menos de forma indireta. Saber sobre o papel do contexto familiar pode ajudar as instituições a configurar de forma mais eficaz, seus programas de apoio a diferentes situações de estudantes e populações. Mas isso diz à instituição como aproveitar, de forma eficaz, as questões de contexto familiar ou se tais ações, em relação a outras ações possíveis, são mais propensas a produzir o resultado do aumento da persistência que ela deseja.

 

5.2 – CENTRALIDADE DA SALA DE AULA

TINTO, Vincent. Classroms as Communities: Exploring the Educational Character of Student Persistence. The Journal of Higher Education. Vol. 68, Nº 6 Nov.-Dec. 1997 pp. 599-623. [tradução livre Mariana Monteiro em 15/04/2017] – trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.

  - se o envolvimento acadêmico e social ou integração ocorrerem, estes devem ocorrer na sala de aula - A sala de aula da faculdade encontra-se no centro da estrutura da atividade educacional de instituições de ensino superior. Os encontros educativos que nela ocorrem são uma das principais características da experiência educacional do estudante. Na verdade, para os estudantes que se deslocam para a faculdade, especialmente aqueles que têm múltiplas obrigações fora da faculdade, a sala de aula pode ser o único lugar onde os alunos e professores se encontram, onde a educação no sentido formal é experimentada. Para esses alunos, em particular, a sala de aula é a encruzilhada [no sentido de que é onde os caminhos se cruzam] onde o social e o acadêmico (docentes e afins) se encontram. Se o envolvimento acadêmico e social ou integração ocorrerem, estes devem ocorrer na sala de aula.

 Visto por este ângulo, é surpreendente que a sala de aula não tenha desempenhado um papel mais central nas teorias atuais da permanência do estudante (por exemplo, Bean, 1983; Cabrera, Castafieda, Nora e Hengstler , 1992; Tinto,  1987). Embora seja evidente que as salas de aula importem, especialmente porque elas podem moldar a integração acadêmica, pouco tem sido feito para explorar como a experiência da sala de aula importa, como ela vem, ao longo do tempo, moldar a permanência do estudante. O mesmo pode ser dito das instituições de ensino superior. Embora elas certamente não tenham ignorado a sala de aula, a maioria não a tem visto como peça central de seus esforços para promover a permanência do aluno, preferindo, em vez disso, alocar esses esforços fora da sala de aula no domínio de assuntos estudantis. Assim, embora seja verdade que a experiência do aluno fora das salas de aula tenha mudado, a sua experiência dentro delas não mudou.


6 - POR UMA AVALIAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA MENOS INGÊNUA
    - servidores como implementadores de fato

ARRETCHE, Maria Teresa da Silva. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In BARREIRA, Maria Cecília R. Nobre; CARVALHO, Maria do Carmo Brant (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC -SP; Cenpec, 2001. pp. 43 a 56. (trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo).

 Os manuais de avaliação de políticas públicas nos ensinaram que a avaliação da eficácia, da eficiência ou da efetividade de programas públicos deve sistematicamente levar em consideração os objetivos e a estratégia de implementação definidas pelos formuladores destes programas. Porque seria inteiramente fora de propósito que o avaliador tomasse em consideração objetivos e/ou metodologias externos àqueles estabelecidos pelos próprios programas. Avaliar, segundo critérios alheios aos estabelecidos pelos formuladores, implica necessariamente uma avaliação negativa, pois não é plausível esperar que um programa realize o que não estava em seu próprio horizonte de implementação.

 Entretanto, supor que um programa público possa ser implementado inteiramente de acordo com o desenho e os meios previstos por seus formuladores também implicará uma conclusão negativa acerca de seu desempenho, porque é praticamente impossível que isto ocorra. Em outras palavras, na gestão de programas públicos, é grande a distância entre os objetivos e o desenho de programas, tal como concebidos por seus formuladores originais, e a tradução de tais concepções em intervenções públicas, tal como elas atingem a gama diversa de seus beneficiários e provedores.

 E esta distância não diz respeito a fatores de ordem moral ou ética, que possam ser atribuídos a interesses escusos de formuladores e implementadores. Na verdade, esta distância é uma contingência da implementação, que pode ser, em grande parte, explicada pelas decisões tomadas por uma cadeia de implementadores, no contexto econômico, político e institucional em que operam (Rossi & Freeman, 1993; Mitnick & Backoff, 1984; Mladenka, 1984).

 Assim, para superar uma concepção ingênua da avaliação de políticas públicas, que conduziria necessariamente o avaliador a concluir pelo fracasso do programa sob análise, é prudente, sábio e necessário admitir que a implementação modifica as políticas públicas.

 Na prática, qualquer política pública é de fato feita pelos agentes encarregados da implementação. Esta constatação não é nova, pois Lipsky (1980), já argumentava que a implementação de um programa supõe sua inserção em “uma rede ou sistema complexo, no qual mesmo as ações de um agente [implementador] obediente podem produzir resultados “(...) as decisões dos burocratas que desempenham atividades-fim, as rotinas que eles estabelecem, os expedientes que eles criam para contornar a incerteza e as pressões, é que veem a ser de fato as políticas públicas. Eu argumento que a política pública não é bem entendida se observada pelo ângulo da legislatura ou do alto nível da administração, porque em diversos aspectos importantes ela é realmente feita nos escritórios lotados e nos encontros diários da burocracia. (...) trabalhadores, clientes e os cidadãos em geral “experimentam” a burocracia que desempenha atividades-fim através dos conflitos que estes encontram para tornar o desempenho de suas funções mais consistente com suas próprias preferências e compromissos” (Lipsky, 1980:xii).

 Na realidade, a implementação efetiva, tal como esta se traduz para os diversos beneficiários, é sempre realizada com base nas referências que os implementadores de fato adotam para desempenhar suas funções.

 A despeito dos esforços de regulamentação da atividade dos implementadores, estes têm razoável margem de autonomia para determinar a natureza, a quantidade e a qualidade dos bens e serviços a serem oferecidos. Neste sentido, eles têm a prerrogativa de, de fato, fazer a política. É esta autonomia que, por sua vez, lhes permite atuar segundo seus próprios referenciais.

 Assim, a implementação é, de fato, uma cadeia de relações entre formuladores e implementadores, e entre implementadores situados em diferentes posições na máquina governamental. Isto implica que a maior proximidade entre as intenções do formulador e a ação dos implementadores dependerá do sucesso do primeiro em obter a adesão dos agentes implementadores aos objetivos e à metodologia de operação de um programa.

 Assim, uma adequada metodologia de avaliação não deve concentrar-se em concluir pelo sucesso ou fracasso de um programa, pois, como espero haver demonstrado, independentemente da “vontade política”, da ética ou do interesse dos formuladores e implementadores, a distância entre formulação e implementação é uma contingência da ação pública. Com efeito, uma adequada metodologia de avaliação deve investigar, em primeiro lugar, os diversos pontos de estrangulamento, alheios à vontade dos implementadores, que implicaram que as metas e objetivos inicialmente previstos não pudessem ser alcançados.


7 - CONCEPÇÕES DA PERMANÊNCIA COMO EXPERIÊNCIA INSTITUINTE
    (anúncio como crítica, hipótese guia)

CARMO, Gerson (Org.). Sentidos da permanência na educação: o anúncio de uma construção coletiva. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro,  2016. – trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo. 

As concepções aqui apresentadas entendem que a permanência é eixo estruturante da qualidade do ensino (CARMO & CARMO, 2014, p. 14). Portanto, as concepções quantitativas relacionadas com fluxo escolar não são consideradas neste trabalho.


7.1 – SENTIDO ETIMOLÓGICO

 A partir do estudo etimológico feito por Carmo & Carmo (2014), o Novíssimo Dicionário Latino-Português (Saraiva, 2006) apresenta o termo permanência como referente latino de permanere, que significa ficar até o fim, persistir, perseverar, durar. O prefixo per- significa “por completo” e o verbo manere significa “ficar, continuar”.

 Já o sufixo –ência, segundo Lacotiz (apud CARMO & CARMO, 2014, p. 8), possui diversos significados, como: “ato durativo de x” (como em adolescência); “propriedade (ou característica) de x” (como em docência); “resultado de x” (como em advertência); “excesso de x” (como em violência); “faculdade de x” (como em eficiência); “disposição de x” (como em conivência); e “assemelha-se a x” (como em coincidência). Nesse sentido, é interessante notar a polissemia do termo permanência, constantes do quadro a seguir, encontrada no Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: ideias afins/thesaurus (AZEVEDO, 2010).

 Quadro 1 - Ideias afins, a partir dos sentidos do sufixo –ência articuladas com o verbete “permanência” em Azevedo (2010, p. 53).

Fonte: Carmo & Carmo (2014, p. 9)

 No quadro, é possível observar que, por um lado, o termo indica situação de ausência de mudança – inércia, imobilismo, mesmice, quietude, monotonia –; e, por outro lado, os significados contradizem essa situação, porque estão associados à noção de duração e, portanto, sujeitos à transformação pela ação do tempo – insistência, persistência, resistência, sobrevivência. Entretanto, é possível pensar que essa contradição polissêmica é aparente, quando se trata de referi-las a diferentes instituições onde uma pessoa permanece. Conforme Carmo & Carmo (2014, p. 9):

 Se pensarmos em diferentes instituições em que um indivíduo pode permanecer – escola, hospital, asilo – veremos que cada instituição se adequa melhor a alguns significados do que a outros. Por exemplo, atribuir à permanência escolar (...) os significados de resistência, insistência ou sobrevivência é muito mais adequado e coerente com a realidade que vivem jovens e adultos na instituição escola, do que os demais significados (...). Isto porque, como afirma Reis (2007, p. 42) a permanência não é ―apenas a presença física do aluno em sala de aula‖ e nem a sala de aula é ―um lugar de silêncio, conforme Martins (2006, p. 18).

De certa forma, as informações etimológicas apresentadas mostram que o sentido de “duração no tempo” é o que mais se aplica ao nosso interesse no estudo da permanência na educação.

 

7.2 – CONCEPÇÕES:  TRANSFORMAÇÃO NO TEMPO, MATERIAL E SIMBÓLICO

REIS, Dyane Brito . O significado de permanência: explorando possibilidades a partir de Kant. In: CARMO, G. T. (Org.). Sentidos da permanência na educação: o anúncio de uma construção coletiva. Rio de Janeiro, RJ:Tempo Brasileiro, 2016. – trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.


 Neste trabalho fazemos uma reflexão da concepção de permanência, assim como posto Reis (2016), a partir da ideia de tempo (duração) e transformação. A autora fundamenta teoricamente essa concepção nos conceitos de Lewis e Kant. Segundo Lewis, a persistência (termo usado por ele para denominar permanência) está relacionada ao tempo: “Uma coisa persiste se e somente se, existe ao longo do tempo, assumindo partes temporais diferentes ou estágios em tempos diferentes, ainda que nenhuma dessas partes esteja completamente presente em mais do que um momento temporal” (REIS, 2016, p. 73).

 Desta forma, a permanência é o ato de durar no tempo, mas sob outro modo de existência, carregando em si a noção de duração e transformação. Este tempo é de ordem cronológica e também um espaço simbólico que permite a transformação de todos e de cada um. Permanecer, segundo Reis , “é estar e ser continuum no fluxo do tempo, transformando pelo diálogo e pelas trocas necessárias e construidoras” (REIS, 2016, p. 74).

 Seguindo essa premissa, a permanência escolar implica mudança; estar no período escolar, com qualidade e em relação com o outro. Significa um ato de continuar, que permita a constância do indivíduo no percurso escolar (da pré-escola a universidade), com a possibilidade de coexistência com seus pares.

 Dayane Brito Reis (2009) apresenta duas possibilidades de sentidos possíveis para permanência na educação: a permanência material e a permanência simbólica. A permanência material refere-se às condições materiais associadas à subsistência, desde compra de materiais necessários para os estudos até as condições econômicas para alimentação e transporte. Já a permanência simbólica se refere às condições simbólicas da existência, como a valorização, a autoestima, a relação com o outro, incluindo as possibilidades que o indivíduo tem de identificar-se com o grupo, de pertencerem a ele e de serem reconhecidos como indivíduos.


7.3 – EXPERIÊNCIA INSTITUINTE – PENSAR, AGIR E ESCREVER SOBRE A PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO

LINHARES, C. Experiências instituintes na educação pública? Alguns porquês dessa busca. Revista de Educação Pública, v. 6, n. 31, p. 139-160, 2007. – trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.


 Aqui nos apropriamos da categoria experiência instituinte desenvolvida por Linhares (2007). Suas pesquisas congregam toda uma bibliografia referente às reformas educacionais, inovações e movimentos instituintes na escola. Além dessas, agrega instrumentos epistemológicos para perceber outros tipos de relações pedagógicas, ainda embrionárias, que prometem alargar práticas e concepções de conhecimento escolar por meio dos quais objeto e sujeito se interpenetram e se conjugam com a vida, assumindo a responsabilidade de exercitá-la de forma respeitosa e includente, representativa de uma educação de qualidade.

 Escrever sobre uma experiência instituinte não se confunde com o escrever sobre o novo, ou uma novidade, mas sobre o desafio e tensões vividos pelo próprio pesquisador em sala de aula, em busca de compreender a origem da permanência escolar. O ponto de vista de um pesquisador que escreve sobre a experiência de outro, é radicalmente distinto do ponto de vista do pesquisador que escreve a partir de um espaço próprio que constitui a sua experiência, isto porque se torna sujeito de uma metaexperiência – escrever sobre a própria experiência – passando a ter poder sobre a sua exterioridade. Nesse sentido Bragança (2003) contribui para a distinção dos sentidos de ―novo e ―origem‖ a partir de contribuição de Walter Benjamin:

 A experiência instituinte se afirma como uma experiência comum, partilhada por um grupo, contrapondo-se desta forma à experiência pontual e fragmentada do sujeito isolado de seus pares. É uma experiência aberta, que não se afirma como ―símbolo, com um significado unilateral, mas como alegoria por seus múltiplos sentidos e leituras. Podemos ainda articular este conceito ao sentido de origem em Benjamin, pois o instituinte, na perspectiva de nossa pesquisa, não se confunde com o novo, mas é uma busca constante do movimento emancipador, movimento este que articula passado, presente e futuro.

 Opondo-se a uma reprodução estática do passado, a experiência instituinte foca a densidade da experiência humana ao rememorar, recuperando, assim, o sentido de uma memória que é capaz de prometer. (Bragança, 2003, p. 1). Mas este é apenas um aspecto da questão. O aspecto mais relevante está no fato de que escrever sobre a permanência escolar sob a perspectiva instituinte implica reescrever uma realidade – a da evasão escolar – que está escrita (descrita, narrada, exemplificada e explicada, em suas causas e efeitos) sob uma lógica que tem a naturalização da desigualdade social brasileira como núcleo central de seus argumentos. Nesse sentido, Dominick (2013) aponta, a partir de Castoriadis, para a dinâmica de conexões e litígios entre o instituído e o instituinte:

 A permanente conexão entre o instituído e o instituinte ou, como afirma Castoriadis, entre o sincrônico e o diacrônico, são a representação fundamental na construção por ela desenvolvida, pois as experiências instituintes não se encontram em uma redoma, apartadas do instituído. Ambos estão em permanente conexão e em litígio como experiências que se desdobram em movimentos criadores, estremecendo o que foi organizado pela história, que é passível de incorporar o que está em movimento e busca se expandir, adentrando o espaço do outro. (Dominick, 2013, p. 6).

 Desse forma, as ações de pensar, agir e escrever sobre a permanência na educação podem ser consideradas como uma gênese de construção coletiva, mesmo que ainda em formação dispersa, pelo fato de as tomarem como experiências instituintes sob o princípio do direito à qualidade da educação no Brasil

 


7.4 – O ANÚNCIO DA PERMANÊNCIA COMO CRÍTICA A EVASÃO: A HIPÓTESE GUIA

CARMO, Gerson (Org.). Sentidos da permanência na educação: o anúncio de uma construção coletiva. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro,  2016. – trechos selecionados e adaptados por Gerson Carmo.


 Seguir esses indícios e questionamentos nos levou, como grupo de pesquisa, a compor um leque de investigações, ações e acordos institucionais que se abriram para “uma agenda bem mais rica”, conforme depoimento de Osmar Fávero (2016, p.6). Assumimos tal agenda a partir da hipótese de que o objeto permanência na educação conserva diferenças epistemológicas significativas em relação à abordagem que toma a evasão como objeto de pesquisa. Esses dois objetos podem até ser considerados indissociáveis, entretanto conservam especificidades que os diferenciam quando se trata de contribuir para as bases de pensamentos que lutam pelo direito e pela qualidade da educação pública no Brasil (PAIVA, 2016).

 Por isso, entende-se que a preocupação em melhor definir ou delimitar os aspectos implicados no permanecer na escola anuncia mudanças no modo de refletir sobre a evasão e o fracasso escolar de jovens e adultos. Se o senso comum atribui ao aluno a responsabilidade pela sua evasão ou fracasso escolar, as crescentes formulações em torno da noção de permanência, embora de forma incipiente, vão apontar para situações, empíricas ou não, nas quais outros operadores educacionais, além do aluno, assumem coletivamente tal responsabilidade.