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Política Estudantil

Seminário debate sobre a lei de cotas e aponta caminhos

por Ferdinanda Maia (Reitoria), Mônica Gonçalves (Reitoria), Antonio Barros (Campos Centro) publicado 14/05/2025 17h58, última modificação 15/05/2025 13h24
O evento foi realizado nos dias 13 e 14 de maio de 2025, no Campus Campos Centro.
Mesa de abertura oficial

Abertura oficial do evento (Foto: Divulgação IFF).

 A Lei de Cotas completará 13 anos de criação. Nesta década, quais foram os avanços; em quais aspectos, de fato, ela contribuiu; e quais ainda são os desafios?

 Por dois dias, o Instituto Federal Fluminense promoveu o seminário Caminhos e Desafios das Políticas de Cotas nos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio do IFF, abrindo espaço para a apresentação de trabalhos e reflexões sobre o assunto.

 Porque não se trata apenas de implementar e fazer cumprir a lei. Ela sozinha não basta. 

 E as inquietações que ela promove estão presentes no dia-a-dia daqueles que lidam diretamente com os seus beneficiários. Não é para menos que servidores do IFF estão envolvidos em estudos e pesquisas relacionados ao assunto, e que foram apresentados no evento. Não são numerosos os trabalhos, mas eles trazem apontamentos, dados e reflexões significativas para promover debates e, por que não, mudanças necessárias. 

 “É importante que a gente não perca de vista que estamos falando de resistência. A gente está falando de disputa, de divisão, e isso não é fácil. O estado brasileiro, depois de muita luta dos movimentos sociais, acabou reconhecendo a sua responsabilidade com a escravização, com as desigualdades antirraciais. Então essa lei não surge num horizonte tranquilo, ela é objeto de disputas”, ressalta o professor do IFF, Sérgio Risso, acrescentando que, apesar da lei, existem concessões para equilibrar o jogo de poder em um país que enxerga como absurdo fazer reparação étnico-racial. 

 “A gente está falando aqui de um cenário que me permite levantar a hipótese de que o estado brasileiro, na sua eterna conciliação de classe e de interesses, também adotou uma política porque precisava adotar, (...) mas ao mesmo tempo você tem que fazer concessões, e as concessões são: é critério étnico-racial, mas tem que ser oriundo de escola pública; é critério étnico-racial, mas tem que ter o perfil sócio-econômico, porque senão parece um absurdo”, complementa. 

 As discussões das duas mesas de trabalho realizadas na tarde de terça-feira, 13 de maio, giraram em torno da importância de superar as desigualdades que os estudantes cotistas trazem de sua formação acadêmica pretérita e da própria desigualdade estrutural da sociedade brasileira que comprometem seu desempenho acadêmico - permanência e êxito - e seu futuro profissional. Como apontado pela professora Luciana Machado da Costa, o processo de inclusão não é “baixar a régua”, mas ele passa por reparar e superar os déficits pregressos desses indivíduos. 

Mesa de apresentação de trabalhos. Da esquerda para a direita: Sergio Risso, Marcos Ribeiro, Glaucio Soldati e Luciana da Costa

 O coordenador acadêmico do seminário, professor Marcos Abraão Fernandes Ribeiro, destacou que as ações afirmativas devem ser compreendidas como uma ferramenta de reparação contra grupos que foram secularmente discriminados. “É uma política absolutamente fundamental em um país como o nosso”.

 Os dados apresentados no seminário mostram o que não é surpreendente, de fato, mas que descortina o que precisa ser visto, apontado, e solucionado: a diferença entre o desempenho de alunos cotistas e não-cotistas no que tange à permanência e êxito. 

 No Campos Guarus, por exemplo, entre 2014 e 2022:

√ a taxa de reprovação entre os matriculados no Ensino Médio Integrado foi de:

36,8% entre os cotistas

19,1% entre os que ingressaram por ampla concorrência (AC)

√ a taxa de conclusão ao final do ciclo regular do curso foi de:

53,5% entre os cotistas

71,5% entre os de AC

 No Campos Centro, entre 2016 e 2022:

√ a taxa de reprovação dos estudantes cotistas chegou a:

61,89% no 1º ano;

58,17% no 2º ano;

60,64% no 3º ano.

√ a taxa de conclusão ao final do ciclo regular do curso foi de:

16,79% entre os cotistas

35% entre os de AC

 “As cotas democratizam o acesso e são fundamentais para garantir que aqueles que não tinham como entrar pudessem estudar. Mas não podemos deixar de lado que existe uma significativa desigualdade de resultados entre alunos cotistas e não-cotistas”, afirma Marcos chamando a atenção para um outro problema: a baixa taxa de alunos concluintes (51,79%) no geral, no Campos Centro. “Precisamos pensar em ações voltadas para este público porque senão a gente apenas cumpre a lei e reserva a vaga, mas é fundamental que a gente garanta que eles concluam seus estudos”, aponta. 

 A assistente social do Campus Macaé, que coordena uma pesquisa recente sobre o tema, Jéssica Oliveira Monteiro, refletiu sobre as demandas dos estudantes cotistas após o ingresso na instituição e a luta que devemos travar para a efetivação deste direito. “O ponto chave é: avançamos na garantia legal da reserva de vagas para esses grupos historicamente discriminados, como medida de reparação histórica e promoção da equidade. Porém, pouco temos dado atenção à situação de permanência e êxito destes jovens e adultos em nossas instituições”. 

Mesa de apresentação de trabalhos. Da esquerda para a direita: Marcelo Sarmento, Jéssica Monteiro e Sandra Dias

Abertura Oficial

 A mesa de abertura oficial do evento foi composta, na noite do dia 13, pelo reitor do IFF, Victor Barbosa Saraiva; Márcia Chrysóstomo, pró-reitora de Políticas Estudantis; Rayanna Maciel Gomes,  representando a Pró-reitoria de Ensino; Carlos Augusto Sanguedo Boynard, diretor do Campus Campos Centro; e Marcos Abraão, coordenador acadêmico do evento.

 Victor ressaltou que o seminário amplia o olhar da instituição sobre a melhoria do acesso dos estudantes cotistas ao IFF, mas que é necessário uma visão mais ampla no sentido de garantir a permanência deles na instituição. "Assim, dentro do que se entende da política estudantil, também precisamos garantir a universalização da alimentação para o estudante, por exemplo”, falou.

 Após, foi realizada a conferência de abertura, proferida pela professora Gabriela Silva, da Uenf, com o tema "Ação Afirmativa na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: perspectivas históricas e legais sobre implementação, avanços e desafios da Lei de Cotas (Lei n 12.711/2012)".

Segundo dia teve Fórum e mesa com Gaudêncio Frigotto

 O seminário teve suas atividades retomadas nesta quarta-feira, 14 de maio, com a realização do “Fórum sobre a aplicação da política de cotas no Instituto Federal Fluminense”, no início da manhã. A pró-reitora de Políticas Estudantis, Márcia Crysóstomo, explicou que o seminário teve como objetivo ser um primeiro passo para o Instituto começar a discutir um plano estratégico de permanência e êxito.

 Além do Campus Campos Centro, o evento teve também a participação dos Campi Macaé, Bom Jesus e Santo Antônio de Pádua, “não só apresentando (trabalhos) mas participando e trazendo sugestões”, comentou Márcia. Ela acrescenta que esse encontro indicou “a necessidade de fazermos um segundo seminário, porque nós trabalhamos basicamente com a questão das cotas e do acesso, mas precisamos aprofundar a questão da permanência, das políticas estudantis e a assistência estudantil a esses alunos cotistas”.

 Ainda pela manhã, estudantes, professores e gestores acadêmicos do Instituto participaram da “Mesa de encerramento – as cotas no ensino médio integrado nos institutos federais”. A atividade teve como conferencistas os professores Gaudêncio Frigotto, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq), e Cíntia Magno Brazorotto (IFSP), com mediação do professor do IFF Campus Campos Centro, Sérgio Risso.

 O reitor do Instituto Federal Fluminense, Victor Saraiva Barbosa, deu as boas-vindas aos conferencistas lembrando da longa contribuição que o professor Frigotto tem mantido com a instituição. Victor também manifestou seu desejo de que a professora Cintia possa manter a parceria com o IFF no aprofundamento das discussões e ações sobre as cotas. “A discussão tem sido muito boa e eu acho que a gente só tem a avançar com todas essas iniciativas”, enfatizou o reitor sobre o seminário.

 O professor Gaudêncio Frigotto pontuou sua fala com histórico e dados sobre a política de cotas no país e, em especial, nos Institutos Federais. De acordo com ele, a política pública das cotas algumas vezes enfrenta oposição com base no pensamento de que cada um deveria partir do seu esforço.

 “Só que existe um pensamento que me parece fundamental, que é: dar igual aos que foram socialmente desigualizados é mantê-los desiguais. Por isso que existe um fundamento de concepção de ser humano ontológico, para pensar e defender as cotas”, ressaltou o pesquisador.

 Para Gaudêncio, se há uma visão de conhecimento de soma ou que fica nos fenômenos, “não podemos entender porque, digamos, os sujeitos que entram nos Institutos Federais com o direito social e subjetivo a um ensino de qualidade venham com necessidades de acolhimento, necessidades de várias ordens, diferentes daqueles que tiveram outras oportunidades, ou puderam desenvolver a sua vida, a sua infância, a sua formação pregressa de forma mais adequada.”

Mesa com Gaudêncio Frigotto e Cíntia Magno Brazorotto (IFSP)

 Para a professora Cintia Brazorotto as cotas constituem “uma política muito importante, de reparação histórica, principalmente quando a gente pensa a questão racial étnica do Brasil, e teve aí o movimento negro como central no início, na luta pela inclusão dessa camada da população que estava excluída, principalmente das universidades.”

 Para a pesquisadora, as cotas têm “se mostrado uma política que efetivamente traz resultados, nesse sentido de inclusão. Lógico que não é a única política que a gente precisa – por isso tem um conjunto de políticas afirmativas. Houve uma avaliação em 2022 e 2023 de que elas têm sido bem-sucedidas. Se a gente olha hoje o perfil dos estudantes no ensino médio, nos institutos e universidades, já está bem próximo da população dos estados. Isso é um indício de inclusão.” 

Organização

 A comissão organizadora do evento contou com coordenadores de Neabi, servidores do Campos Centro, membros da Pró-reitoria de Políticas Estudantis, da Pró-reitoria de Ensino, da Diretoria Executiva e da Diretoria de Comunicação da Reitoria.

Conheça as pesquisas apresentadas:

1 - Uma Análise da Aplicação do Sistema de Cotas no Ensino Médio Integrado: Campus Santo Antônio de Pádua do Instituto Federal Fluminense (2016-2018); e Operacionalização do Sistema de Cotas - Glaucio Lomba Soldati;

2 - As(às) margens da política de cotas na educação profissional: avanços e contradições entre acesso e permanência nos 10 anos da política de cotas no ensino médio integrado do IFFluminense nos Campi Campos Centro e Campos Guarus (2013-2022) - Luciana Machado da Costa;

3 - A aplicação da Lei de Cotas no IFFluminense Campus Centro Centro (2016-2022) - Marcos Abraão Ribeiro;

4 - A Visibilidade da Política De Cotas e a Invisibilidade dos Cotistas I No Técnico de Eletromecânica Integrado ao Ensino Médio de uma Escola Federal - Sandra Cristina Botelho Dias;

5 - Ações Afirmativas Étnico-raciais nas Instituições Federais de Ensino Técnico de Nível Médio: estudos sobre suas relações no IFFluminense Campus Macaé - Jéssica Oliveira Monteiro.