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Geógrafo fala no IFF sobre turismo sem preconceito, com referências culturais e inclusão

por Comunicação Social do Campus Campos Centro publicado 16/07/2018 14h57, última modificação 16/07/2018 18h20
Convidado para ministrar a aula inaugural de cursos de Pós-Graduação Latu Sensu do Campus Campos Centro, Humberto Filho fala sobre um negócio com impacto social.
Entrevista/Humberto Filho

Antes da palestra o geógrafo e criador da startup Diáspora.Black concedeu entrevista à Comunicação Social (Foto: Raphaela Cordeiro)

Este mês a startup Diáspora.Black completa um ano de operação de sua plataforma no segmento do turismo solidário. A iniciativa do geógrafo e empresário Carlos Humberto da Silva Filho e de dois amigos chegou a ser pensada como um movimento social. Mas se deparou com a lógica de mercado e da tecnologia. Como empresa tecnológica, a Diáspora tenta fazer a ponte entre o resgate da fundamental presença do negro na sociedade brasileira, a indústria do turismo e a criação de valores como turismo inclusor e de resgate cultural. As mulheres são 84% da plataforma, sendo que 72% são negras. No dia 29 de junho ele ministrou uma palestra/aula inaugural dos cursos de pós-graduação oferecidos no Campus Campos Centro do IFF. Antes concedeu à Comunicação Social a seguinte entrevista:

 Como está o projeto hoje?

 Nós já idealizamos e já validamos nossos produtos de turismo e hoje estamos em uma fase de crescimento. Crescer em país tão desigual, tão racista, em um momento de argumento econômico tão frágil de crise é bem difícil. Então, enfrentamos essas adversidades, em uma dificuldade maior que é a de afro-empreendedores terem seus negócios potencializados. Hoje, nosso foco é em vencer todos os desafios, superar todas as barreiras para realmente o nosso negócio crescer e nossos impactos gerarem ainda mais cases positivas.

 Qual é a sua percepção do acesso do cidadão negro à educação no país?

 A gente vive um momento de sucateamento da educação no país. Tivemos alguns avanços em políticas, mas tivemos alguns retrocessos em desmonte de políticas, de equipamentos públicos conquistados. É um momento muito difícil. Com todos os avanços, uma parcela da população ainda tem dificuldades para acessar esses equipamentos. Essas políticas foram e são necessárias e deve-se lutar para a garantia dessas políticas. Mas, elas não deram conta de superar 500 anos de opressão de uma parcela da população. Hoje temos um debate um pouquinho mais avançado por conta dessa brecha que conseguimos garantir com lutas na educação, que foram as políticas afirmativas.

 As cotas já poderiam ser avaliadas como positivas?

 Tivemos talvez uma década e meia de ações afirmativas, entre a testagem e a garantia. Isso não foi o bastante. Mas já permitiu resultados significativos. Hoje o resultado é muito positivo, porém ainda muito pouco diante de um país que mais mata a população negra. É um país que ainda lidera o ranking de execução jovens negros. Ou seja, a idade em que eles deveriam estar disputando uma projeção acadêmica, eles estão sendo executados. 

 Em relação ao segmento do turismo, hoje está mais acessível para nós?

 Acho que o turismo nos abre muitos debates. Pode ser uma ferramenta importante na construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e menos racista. A partir do momento em que você valoriza histórias que não são valorizadas, valoriza memórias que são estigmatizadas, que trabalha a valorização de patrimônios criando pontes para essas histórias, para as pessoas conhecerem, viverem e romperem com aquelas barreiras do preconceito, acho que a gente contribui de uma outra forma pra combater o que está colocado socialmente. Inicialmente, começamos a Diáspora como um movimento social, depois vimos que não dava, porque de certa forma (aí entra a tecnologia), a plataforma fazia uma mediação que teria pagamento. Então não seria um movimento social. Mergulhamos no tecnológico e vimos que os conceitos são outros. Nos vemos como uma startup de impacto social. 

 É um novo turismo?

O turismo responsivo pode contribuir demais para a superação de desafios econômicos de uma região. Estamos falando de uma outra perspectiva desenvolvimento, que é um turismo mais participativo, mais comunitário. Esse turismo não só gera impactos na autoestima, nessas identidades, mas gera um impacto profundo porque começa a gerar renda para populações que muitas vezes não tinham alternativas outras de geração de renda. Se a base da pirâmide pode produzir mais renda, a partir de sua própria história, isso mexe com a pirâmide. Eu seria até mais incisivo em dizer que falta interesse em mexer na pirâmide. Por outro lado, eu não vou aguardar esse interesse político. Eu sou um cidadão político. Entendo que a gente pode construir esse papel de enfrentar o estado para que haja um papel maior na mudança e na transformação. Hoje, a Diáspora.Black cria uma rede de pessoas interessadas em combater preconceitos. Essa rede vai se fortalecendo.  

 Que reflexões você deixaria para o universo aqui do IFF, tão diverso e não apenas aqui, mas para um momento complexo como o que vivemos?

 Eu diria a todos para lerem Milton Santos! (Geógrafo brasileiro de referência mundial) Porque o mundo está mudando, está lá (na obra de Santos) e é uma mudança que não tem volta. Ou a gente se transforma em um agente participativo nessa mudança, com voz e voto, ou a gente acaba sendo engolido pelo sistema. Não se transforma sem conhecimento. Mas também o conhecimento precisa estar agregado à tecnologia. Ela está em uma dinâmica tão rápida que às vezes nem a academia acompanha. Sobretudo a brasileira por conta da burocracia. Tem uma ponte entre o conhecimento e a tecnologia que não necessariamente está dentro da academia.