CAMPUS CAMPOS CENTRO

Notícias

VI Semana da Arquitetura e Urbanismo

Tarifa zero no transporte público é uma proposta da mobilidade antirracista, diz pesquisador

por Vitor Carletti | Assessoria de Comunicação Social do Campus Campos Centro publicado 04/11/2025 15h04, última modificação 04/11/2025 15h04
Paíque Santarém ministrou a palestra de abertura da VI Semana da Arquitetura e Urbanismo. O evento vai até 7 de novembro com mesas-redondas, oficinas e minicursos.
VI Semana da Arquitetura e Urbanismo

Paíque Santarém é antropólogo e ministrou a palestra "Mobilidade antirracista" na abertura da VI Semana de Arquitetura e Urbanismo.Foto: Vitor Carletti | Ascom Centro

 Em estudo pelo governo federal, a implementação da gratuidade no transporte público atenderia à pauta da mobilidade antirracista, segundo o antropólogo e doutor em Arquitetura e urbanismo Paíque Santarém que ministrou a palestra de abertura sobre o tema na VI Semana do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense Campus Campos Centro na noite desta segunda-feira, 3 de novembro, no auditório Cristina Bastos.

 As mudanças reivindicadas pelos movimentos sociais — que afirmam que a população negra sofre racismo até na questão da mobilidade urbana no Brasil — não se restringem à adoção da tarifa zero, mas, se a gratuidade for adotada a nível nacional, seria um passo importante na opinião do pesquisador para minimizar as dificuldades de acesso ao serviço.

 Segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos divulgados por reportagem do site Congresso em Foco, atualmente 120 cidades brasileiras adotam a tarifa zero no transporte público. Na região norte fluminense, São Fidélis e São João da Barra implementaram a gratuidade nos coletivos.

 “Trata-se de universalizar, de quebrar e acabar com as barreiras que impedem a população negra de circular na cidade. Então, é construir tarifa zero, maior acessibilidade, melhoria de veículos, equalizar qualidade dos veículos para toda a cidade, garantir participação dos usuários e dos trabalhadores na gestão e nas decisões sobre o transporte”, analisa.

Portal do IFF — O que é a mobilidade antirracista?

Paíque Santarém: O estudo que eu realizado, que é tema do meu doutorado, entendendo o vínculo entre a mobilidade urbana e o racismo, é uma compreensão, a partir de um levantamento de dados e de análise histórica, de como o sistema de transporte de circulação de pessoas e de cargas no Brasil foi construído e orientado para uma ideia de segregação, de controle da circulação da população negra.

 Então, a mobilidade antirracista é o combate a essa forma que foi instaurada e construída no Brasil institucionalmente de segregação da população negra por meio da mobilidade. Mobilidade antirracista são os mecanismos de luta direto da população negra e também os mecanismos de políticas públicas que combatem a segregação da população negra por meio da mobilidade.

Quais são os exemplos dessa restrição da mobilidade da população negra principalmente?

 A primeira é muito óbvia que é a falta de circulação, falta de veículos ou veículos de pior qualidade, menos linhas e horários, mais quebras de ônibus nos bairros de maioria negra da cidade em relação aos bairros de maioria branca.

Os bairros de maioria negra da cidade são separados, são segregados, e eles não têm estrutura, circulação de veículos e de linhas de ônibus ou de metrô de forma satisfatória.

" Os bairros de maioria negra da cidade são separados, são segregados, e eles não têm estrutura, circulação de veículos e de linhas de ônibus ou de metrô de forma satisfatória."
Paíque Santarém, doutor em Arquitetura e Urbanismo

 O segundo ponto é o ponto de vista financeiro. O jeito que o transporte é financiado é cobrada uma tarifa que incide de forma mais onerosa sobre a população negra, porque é quem tem menos acesso, seja ao vale-transporte, o passe estudantil, seja aos meios de benefícios e gratuidade no transporte. Então, por isso, pagam uma tarifa mais cheia. E também são os setores que recebem os menores salários, que têm de pagar mais passagens para chegarem aos seus destinos. Ou seja, a população negra, de forma desigual e combinada, ela está nos piores espaços de acesso à mobilidade e pagando mais caro por ela.

 E nós temos outros aspectos da dimensão urbana. A população negra sofre mais interstícios ao circular na rua, ou seja, mais abordagens policiais, mais eventos de violência e discriminação racial. Durante a sua mobilidade pela cidade, está mais vinculada a esses processos de interdição, ou seja, a processos de restrição de circulação em determinados espaços por questões raciais, de cor ou de aparência. Então, temos uma série de mecanismos em que a questão da mobilidade está constituída em torno das dimensões da raça e do racismo no Brasil. E o combate a isso está justamente em construir espaços de circulação da população negra. Não se trata da mobilidade antirracista ser uma mobilidade específica para a população negra. Trata-se de universalizar, de quebrar e acabar com as barreiras que impedem a população negra de circular na cidade. Então, é construir tarifa zero, maior acessibilidade, melhoria de veículos, equalizar qualidade dos veículos para toda a cidade, garantir participação dos usuários e dos trabalhadores na gestão e nas decisões sobre o transporte.

Obviamente esse debate está distante da produção de políticas públicas sobre mobilidade. Quais os caminhos para os governos entenderem essa pauta e fazer com que as políticas públicas possam minimizar esse déficit que é histórico?

 A gente vive uma contradição. Esse debate sobre o combate ao racismo, machismo, classicismo, do ponto de vista institucional está muito atrasado. Mas do ponto de vista dos movimentos sociais, da forma como os conflitos vêm acontecendo na cidade, está muito avançado. Então, temos muitos movimentos, dentro do movimento negro, de mulheres, dos trabalhadores, que estão discutindo isso de forma aprofundada.

 E por conta desses movimentos nós temos uma série de políticas implementadas em algumas cidades, seja política de passe estudantil, seja de tarifa zero, políticas de combate ao machismo na mobilidade que têm sido implementadas em municípios por conta dos movimentos que pressionam e conquistam alguns espaços no poder público esses espaços de articulação.

 Então, qual é o caminho para o poder público hoje ter algum tipo de política que transforme isso? Ele precisa de ter a humildade de ouvir o que os movimentos sociais têm colocado, que não congregam só usuários do transporte, mas têm todo um corpo técnico, de pesquisadores e de agentes públicos que estão vinculados a esses movimentos, porque na institucionalidade não têm voz para uma voz dissonante dos interesses que são os mais mesquinhos e que dominam o debate do transporte público.

Tem o debate da tarifa zero a nível federal. Você acha que é um caminho para minimizar essa situação?

 Sem dúvida. A tarifa zero é a política que melhor expressa isso que eu estou dizendo. Ela nasceu dos movimentos sociais, mas não foi ouvida pelo poder público. Tivemos grandes mobilizações em defesa da tarifa zero que não foram ouvidas pelo poder público em tempo. Foi implementada em pequenas cidades por conta desse tipo de pressão. E agora está chegando ao debate público porque o poder público decidiu escutar os que os movimentos sociais vêm produzindo há duas décadas.