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DOUTORADO AMBHIDRO
Erosão da praia de Atafona é ocasionada por barragens, e não por aquecimento global, diz pesquisador português
O professor português Pedro Proença Cunha ministrou a aula inaugural do doutorado AmbHidro.Foto: Vitor Carletti
O pesquisador da Universidade de Coimbra, em Portugal, Pedro Proença Cunha afirmou que a erosão da praia de Atafona, distrito de São João da Barra, no norte fluminense, é ocasionada, principalmente, pela construção de barragens e que o problema não é resultado do aquecimento global e derretimento de geleiras que fazem aumentar o nível das marés.
A declaração ocorreu durante a aula inaugural do Programa de Pós-graduação em Modelagem e Tecnologia para Meio Ambiente Aplicadas em Recursos Hídricos do Instituto Federal Fluminense na noite desta terça-feira, 27 de agosto, no Instituto Federal Fluminense Campus Campos Centro.
O professor português, que pesquisa sobre sedimentação costeira, foi questionado sobre o relatório divulgado nesta terça-feira pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, que alertou sobre a possibilidade de o nível do Oceano Pacífico aumentar nos próximos anos devido ao aquecimento global.
O documento divulgado na terça-feira não menciona cidades brasileiras, mas cita um outro estudo, com dados da Nasa, feito em 2020, em que as cidades do Rio de Janeiro e o distrito de Atafona estariam entre as áreas em que as marés aumentariam seus níveis entre 12 cm a 21 cm até 2050, segundo informações divulgadas pelo Portal G1.
Portal do IFF — O que o senhor traz nesta aula inaugural do doutorado?
Pedro Proença Cunha— Estou aqui através do projeto Capes Print que visa, de certo modo, fazer uma internacionalização. Aliás, (a oportunidade da aula) surgiu porque recebi uma visita do professor Silva Neto, que também está aqui. E visa nós frutificarmos essas boas ações entre, neste caso, dois países Portugal e Brasil dentro das nossas áreas de interesse. A palestra que eu vou trazer...uma vez que vocês também têm muitos estudantes de pós-graduação e outros colegas com temáticas diversificadas, eu resolvi trazer um caso de estudo, neste caso é de um estuário de Portugal sempre em comparação com os casos aqui no Brasil.
E servirá, a partir da discussão que eu fizer dos elementos e dos fatores que controlam os mecanismos forçadores da dinâmica sedimentar, porque a palestra vai ser sobre dinâmica sedimentar costeira, por exemplo, entendermos sobre o espaço do delta do Rio Paraíba e com fenômenos da erosão na praia de Atafona. Isso pode servir para fazer essa discussão sobre por que está a causar a erosão na praia de Atafona e como isso pode atuar em termos de um desenvolvimento sustentável.
O secretário-geral da ONU disse que o aumento das marés decorrente do aquecimento global pode aumentar ainda mais os níveis das marés. Aqui a praia de Atafona está sendo muito prejudicada. O senhor pode falar sobre essa questão climática e o que isso tem afetado nas pesquisas?
Olha bem. Esse comentário tem a ver com a subida do nível médio global da temperatura e que tem impactos na subida do nível do mar. Esse valor que foi comentado é de muito pouca altura. E é algo que afeta a Terra toda por inteira. Não é nada que se possa explicar Atafona por si só. Atafona tem uma assinatura local. Há fenômenos locais.
O problema é que há mecanismos forçadores desta evolução nomeadamente, pelo próprio homem, que estão longe do sítio onde vão fazer efeitos. O que temos aqui com Atafona não tem nada a ver com marés, não tem a nada ver com aquecimento global, que já está a fazer uma série de danos. Tem a ver com outros fatores.
"O que temos aqui com Atafona não tem nada a ver com marés, não tem a nada ver com aquecimento global, que já está a fazer uma série de danos. Tem a ver com outros fatores."
Pedro Proença Cunha, pesquisador da Universidade de Coimbra, em Portugal
Tem a ver com o fato de se terem feito à montante barragens. Essas barragens, o que vão fazer? O Rio Paraíba trazia muitos sedimentos. Ele constrói o que nós, das Ciências, chamamos de um delta, que é um edifício sedimentar, neste caso, é dominado pela ondulação do mar. Portanto, neste caso, eu tenho uma série de cristas de praia que vão se adicionando umas às outras e que vão avançando. Porque a ondulação não vai varrer nem muito por lado nem muito para outro. Mais tarde, foram se fazendo construções e utilizações agrícolas nesses tempos.
O que está a acontecer é: a partir do momento em que se fizeram barragens, os sedimentos que estavam à montante a essa barragem deixam de passar, o que passam são sedimentos finos. E alteram-se também os regimes caudais. Portanto, as pontas cheias que são capazes de transportar um grande volume de sedimentos para jusante deixam de existir e, portanto, esses sedimentos vão ficar parados à montante, pelo menos à jusante da última barragem. Não há capacidade de transportar para jusante e não chegam à foz. E ao não chegar à foz, como a ondulação é persistente, é um varrer das areias da praia. Como não chegam, a ondulação leva e vai extinguindo a praia. É um processo contínuo.
Posso dizer, então, que essa informação da ONU é incompleta?
É informação geral, mas que não explica o caso grave de Atafona onde se encurtou o abastecimento de areias fluviais ao litoral. Encurtaram-se os picos de cheia responsáveis por esse transporte de maiores sedimentos e de grande volume ao litoral. A ondulação vai sempre varrendo o que está na praia. Ainda há outro aspecto. O canal do Paraíba não vai todo o seu fluxo de encontro ao mar. Aí há um canal secundário que rodou e roda para esquerda, portanto. E nesse há uma grande barra de areia porque está limitado por ele. O lado esquerdo não está a ter essa erosão significativa, o que está a ter é o lado direito porque não há areia.. Qual é a solução?
Existe uma solução?
Só existe uma solução neste momento. Ou nós conseguimos que os sedimentos que ficam retidos na barragem sejam depositados periodicamente na embocadura (onde o rio deságua), mas existem custos. E é preciso ver se a remoção de areia equivale à taxa de remoção do varrer pelas ondas, se é inferior. E se estamos a demorar à velocidade de recuo (da maré). Ou vamos ter que fazer aquelas frentes de casa que irremediavelmente vão ser atingidas pelo recuo erosivo, porque a costa, neste momento, vira um V virado para o mar chamado delta. Ela vai voltar a ter que se recuar, qualificar retilínea, porque não tem sedimentos dessa construção para o mar.